Entenda a situações e pare de se culpar por tudo! Em um mundo que cultua o desempenho, a eficiência e a autonomia, é fácil cair na armadilha de acreditar que tudo está sob nosso controle. Frases como “você é o único responsável pelo seu sucesso” ou “se você quiser, você consegue” são repetidas como mantras. Contudo, embora tais afirmações possam ser motivadoras à primeira vista, elas ignoram uma verdade essencial: existem coisas que não dependem de você, e outras que dependem exclusivamente de você.
Uma distinção fundamental para viver melhor
Antes de mais nada, precisamos admitir que a incapacidade de distinguir entre o que está sob nosso controle e o que não está é uma das maiores fontes de frustração, sofrimento e desperdício de energia. Quando nos esforçamos para mudar o que está fora do nosso alcance, nos esgotamos. Por outro lado, quando ignoramos aquilo que está sob nossa responsabilidade direta, abrimos mão do poder pessoal de transformação.
Portanto, pare de se culpar por tudo que sai diferente do planejado. Às vezes, o erro não é seu. Às vezes, simplesmente não estava nas suas mãos. Essa dualidade entre ação e entrega não é nova. Na verdade, é um dos pilares da sabedoria milenar. Para compreendê-la melhor, podemos recorrer a duas fontes fundamentais: a filosofia e a psicologia.
A sabedoria dos estoicos: serenidade diante do incontrolável
Os filósofos estoicos, como Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio, foram pioneiros em estabelecer a fronteira entre o que podemos e o que não podemos controlar. Epicteto, em sua obra Enchiridion, é categórico: “Algumas coisas estão sob nosso poder, outras não estão.” Essa simples frase carrega um poder transformador.
De acordo com os estoicos, estão sob nosso poder: nossas crenças, julgamentos, desejos, intenções e ações. Por outro lado, estão fora do nosso controle: a opinião dos outros, o tempo, o passado, os acontecimentos políticos, a saúde do corpo, o sucesso externo e as reações alheias.
Nesse sentido, pare de se culpar por reações que não são suas, por doenças que surgem sem aviso, por acontecimentos que escapam à lógica do esforço pessoal. A serenidade não é obtida ao tentar controlar o incontrolável, mas ao aprender a aceitar com dignidade aquilo que não se pode mudar. Isso não significa resignação, mas sim sabedoria prática: uma maneira mais inteligente de posicionar-se diante da vida.
O que depende só de você: sua resposta ao mundo
Enquanto muitos se ocupam tentando mudar os outros ou as circunstâncias, há um campo de ação que permanece frequentemente negligenciado: o interior. O modo como você interpreta, sente e reage a cada situação da vida depende exclusivamente de você.
Para ilustrar esse ponto, vale resgatar o pensamento de Viktor Frankl, psiquiatra austríaco que sobreviveu a campos de concentração nazistas. Em seu livro Em busca de sentido, Frankl afirma:
“Tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas, escolher sua atitude em qualquer circunstância.”
Essa afirmação, vinda de alguém que enfrentou a desumanidade no seu limite, é um lembrete poderoso: a vida nem sempre é aquilo que acontece com você, mas sim o que você faz com o que acontece. Logo, sua postura, seu esforço, sua ética, seus valores e sua resiliência são decisões pessoais que ninguém pode tomar por você, e que, portanto, não podem ser terceirizadas.
A armadilha da cultura do controle absoluto
Entretanto, vivemos em uma cultura que hiperestimula o controle. Nas redes sociais, por exemplo, somos bombardeados por narrativas de sucesso baseadas exclusivamente no mérito individual, como se contexto, sorte, saúde e oportunidades não tivessem nenhum papel.
Como resultado, essa narrativa pode gerar uma falsa ideia de que fracassar é sempre culpa sua, enquanto vencer é apenas fruto da sua força de vontade. Essa lógica, embora sedutora, é cruel. Ignora o fator imprevisível da vida e sobrecarrega o indivíduo com responsabilidades que não são dele.
Pare de se culpar por não ter dado conta de tudo. Não é realista, nem saudável, assumir o controle absoluto da vida. Além disso, essa visão deturpada do controle alimenta uma culpa silenciosa: se algo deu errado, é porque você não se esforçou o suficiente. Tal mentalidade pode gerar ansiedade, burnout, baixa autoestima e paralisia emocional.
Discernir é um ato de sabedoria prática
Sendo assim, a verdadeira maturidade emocional e intelectual está na capacidade de discernir: saber o que é da sua alçada e o que está além dela. Esse discernimento, tão necessário quanto raro — não nasce do acaso. Ele pode ser cultivado com práticas de reflexão, autoconhecimento, diálogo e até mesmo silêncio.
Aristóteles chamava essa habilidade de phronesis, ou sabedoria prática. Em outras palavras, trata-se da inteligência de agir com bom senso e prudência, escolhendo onde colocar energia, onde recuar e onde simplesmente aceitar.
Pare de se culpar quando tudo que você pode fazer é observar, aceitar e seguir em frente. Há mais coragem em soltar do que em resistir o tempo todo. Portanto, desenvolver essa sabedoria é tão importante quanto qualquer meta ou habilidade prática. Sem ela, corremos o risco de lutar contra moinhos de vento, como Dom Quixote, enquanto negligenciamos o jardim interno que poderia florescer sob nossos cuidados.
Encontrando o equilíbrio: agir e soltar
Em suma, viver com mais leveza, clareza e propósito envolve aprender a equilibrar duas forças: a ação responsável sobre aquilo que está ao nosso alcance e a entrega serena ao que escapa às nossas mãos.
Ou seja, assumir a responsabilidade pelo que depende de você é um gesto de autonomia, força e maturidade. Já aceitar o que não depende de você é um sinal de inteligência emocional e sabedoria.
Por isso, mais uma vez: pare de se culpar por tentar resolver o que nunca foi sua missão resolver. Há uma liberdade imensa em perceber que nem tudo é seu para consertar.
Para concluir, vale lembrar da oração atribuída ao teólogo Reinhold Niebuhr, tantas vezes repetida em grupos de apoio e aconselhamento:
“Conceda-me, Senhor,
serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar,
coragem para mudar as que posso,
e sabedoria para distinguir umas das outras.”
Entre o controle e a entrega, mora uma vida mais plena, mais humana e mais verdadeira. E é nesse intervalo que descobrimos o que, de fato, depende de nós.